terça-feira, junho 13, 2006

Opiniões na Imprensa sobre o concerto de Ruychi Sakamoto a e Alva Noto na Casa da Música, em 11 de Junho (II)

José Miguel Gaspar
Jornal de Notícias - 13-06-006

Meditação 'high-tech'

"A retribuição terá chegado no fim, mas só para os duradoiros 90 minutos depois do início do concerto, ao terceiro bondoso encore, após igual número de vénias, e já depois de muitos terem desistido da sala, o japonês Ryuichi Sakamoto dedilhou aquilo que todos quereriam ouvir - o sulfuroso rabeio exótico pop de "Merry Christmas Mr. Lawrence". Foi só um harpejo, leve e fino, os dedos quase que não tocaram o ébano e o marfim, mas foi quanto bastou: estavam ali os cinco célebres acordes compostos para o drama dissimulado de safismo de Nagisa Oshima, filme de 1983 em que o compositor/actor queria dar o corpo a David Bowie, mas acabava a torturá-lo.

Até ali foi um serão finíssimo para a aromática assembleia que esgotou a Casa da Música e que não sabia, maioritariamente, ao que ia, sabendo só que o programa era Sakamoto e o seu piano acústico, imaginando que ouviria o Grammy e o Oscar da banda sonora de "O último imperador", de Bertolucci.

Mas o programa trazia também Alva Noto, artista cujo trabalho envolve não só música e electrónica, mas também imagens. (Noto já fez exibições no Guggenheim e no MoMA e na Bienal de Veneza; já venceu prémios no prestigiante Ars Electrónica Golden Nica, em 2000 e 2001.) E para isso a plateia não estaria preparada - para um concerto de conceito multimédia em que a música é aliada ao hipnotismo visual, conseguido através de representações gráficas do som, com riscos, raias, esferas e quadrilongos que surgiam em tempo real, coloridos, numa tela hiper-panorâmica. O efeito visual é estupendo pela fantasia minimalista, mas a música traz a melodia só esboçada.

A sinergia de Sakamoto e Noto começou em 2003 e já desembuçou dois discos "Vrioon" e "Insen". No primeiro, considerado o álbum do ano para a "The Wire", os sublinhados digitais de Noto funcionam como contraponto aos acordes de piano acústico de Sakamoto; no segundo, agora mesmo editado, o engenheiro/artista plástico trabalha directamente com os sons do piano, desmontando as gravações do compositor japonês como que com um afilado bisturi de laser. A operação transforma tudo em micro 'loops', agarrando nos átomos de som para criar uma nova tapeçaria em que o ritmo e as sequências harmónicas se intrometem na pele do piano; as linhas básicas da composição permanecem intangíveis, mas a melodia foi comprimida, fica a pairar e tem que ser adivinhada.

Terá sido isso, e essa complexidade, que desagradou aos muitos que foram deixando a sala, entregando a recompensa à maioria que permaneceu naquela meditação de alta tecnologia, em que o mudo e quase quedo Sakamoto se enfiava na penumbra do círculo de luz do balcão metálico de Alva Noto, colocado noutro canto do palco a manipular som e imagens em dois 'laptops'.

O espectáculo repete hoje no Coliseu de Lisboa; no dia 15 a dupla apresenta-se no festival Sónar, em Barcelona."


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