domingo, junho 04, 2006

A vida e personalidade do realizador Shohei Imamura.

"Sempre quis lançar questões acerca dos japoneses, são o único povo que estou qualificado para descrever... Fico surpreendido com o modo como sou recebido no Ocidente, não creio que possam entender-me." Mas a incompreensão do cineasta Shohey Imamura, baseada na sua reflexão sobre o íntimo da sociedade japonesa, deu-lhe duas Palmas de Ouro no Festival de Cannes: com A Balada de Narayama (1982) e A Enguia (1998). Morreu ontem, aos 79 anos, de carcinoma hepático.

"Bebeu muito, por certo; conheci-o já proibido de beber e a sofrer de diabetes", diz ao DN Paulo Rocha, autor de Imamura, o Livre Pensador (1995). "Era uma das atracções mais antigas" para o cineasta português, que lhe descobriu os filmes "em cinemas de arte e ensaio, em Paris" e depois no Japão (em Tóquio, dirigiu o Centro do Cinema Português e foi adido cultural da Embaixada Portuguesa), vindo a fazer o documentário citado para a série Cinéastes de Notre Temps, do Arte.

"Havia na Europa uma visão esteticista do cinema japonês e aparecia um realizador mal educado, nada fino nem elevado, moderníssimo, ao encontro do meu interesse pelo grotesco", conta Paulo Rocha. Mais tarde, observou o "background universitário" de Imamura, a sua "investigação profundíssima" para cada filme e "atitude de entomologista na rodagem". Esse "homem prodigiosamente inteligente", explica, era "um cavalheiro ao mais alto nível e um samurai dos bas-fonds". O seu mundo criativo descia ao submundo das grandes urbes nipónicas, inovação que o tornaria dos principais nomes do "novo cinema" japonês dos anos 60 e dos mais respeitados cineastas do seu país, após Kurosawa e Ozu.

Natural de Tóquio (n. 1926), terceiro filho dum médico, frequentou escolas de elite onde conheceu os filhos da classe dominante. Mereceram-lhe comentários pouco elogiosos: "Desprezava-os e achava-os o tipo de pessoas que nunca chegariam perto das verdades fundamentais da vida. Fizeram-me querer identificar com a classe trabalhadora, gente verdadeira com a sua natureza."

Ao longo da carreira, escolheu, para personagens, gente desse mundo perante o qual, confessaria, também ele se considerava "superior". Ao contrário deles, conseguiu fugir à integração no Exército Imperial Japonês, inscrevendo-se numa escola técnica. Concluiu estudos na prestigiada Universidade de Wasada em 1951 (período de convívio com prostitutas em bares pouco frequentados por jovens da sua classe), teve o primeiro trabalho como assistente de Yasujiro Ozu.

Preferiria o menos conhecido Yuzo Kawashima (sobretudo no interesse pelas classes desfavorecidas), à precisão técnica de Ozu. Kawashima foi seu mentor, também pela atitude rebelde em estúdio. Pigs and Battleships (1961) é tido como o filme em que afirma a voz na cinematografia nipónica: sátira contra a ocupação militar norte-americana, centrada num jovem casal envolvido num esquema ilícito. Este contador de histórias fechou a sua filmografia com um episódio de 11'09'01, sobre o 11 de Setembro de 2001."

Elisabete França
Isabel Lucas


Fonte : Diário de Notícias - 30-05-006

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