sábado, abril 28, 2007

Novo filme de Martin Scorsese adapta o "Silêncio" de Shusaku Endo. Obra sobre a vida de missionários Jesuítas portugueses no Japão, no séc. XVII.

Em meados da década de 90 descortinei numa feira de livros em saldos no Porto um livro de um autor japonês que até ao momento apenas conhecia de nome e algumas suas linhas biográficas.

O livro era o "Silêncio" (Chinmoku) e o seu autor era Shusaku Endo. Por sinal era uma publicação brasileira que só por engano ali foi parar. O original foi escrito em 1966 e esta era tradução brasileira datada de 1979 pela editora Civilização Brasileira. Em 1990 saiu a 1ª edição portuguesa pela D. Quixote / Círculo de Leitores (trad. João David Antunes, sendo já 4ª ed. de 1995 traduzida por Teolinda Gersão)

Shusaku Endo é considerado um dos maiores romancistas japoneses e o "Silêncio" é a sua obra-maior, que inclusive granjeou o reputado prémio literário Tanizaki. Endo publica o seu primeiro livro em 1955 e desde então publicou regularmente até perto da sua morte em 1996. O seu estilo de escrita é comummente associado a Graham Greene, que aliás o considerava um dos maiores escritores do séc. XX. Endo professava o catolicismo num país onde menos de 1% o é.

O "Silêncio" aborda as atrocidades cometidas pelo japoneses a missionários jesuítas (no caso do livro sobretudo a portugueses) e a milhares de devotos do cristianismo, no Japão, sobretudo na ilha de Kyushu (a ilha primaz no cristianismo japonês), no séc. XVII. É um livro que contém passagens bastante pungentes e que durante muito anos suscitou razoável polémica no Japão, mesmo da parte de alguns cristãos japoneses.



Breve contexto histórico
Os jesuítas chegaram ao Japão em 1549 através do desembarque em Kagoshima (ilha de Kyushu) pelo espanhol (navarro) S. Francisco Xavier. O cristianismo floresceu por essas paragens a um ritmo impressionante, sobretudo por acção do missionário italiano Alessandro Valignanno. Tanto que cerca de seis décadas volvidas o número de católicos no Japão (maioria na ilha de Kyushu) já rondava os 300 mil e a sua influência na sociedade e politica era bem pronunciada.

Toyotomi Hideyoshi o senhor da ilha de Kyushu (e mais tarde o grande senhor de todo o Japão e o responsável pela sua unificação) manteve boas relações com os jesuítas (que divisava com um nível cultural acima da média e estreitamente ligados a negócios mercantis) e até via de bom grado as conversões ao catolicismo por parte dos japoneses (até porque odiava o budismo). Muitos dos próprios daimios se convertiam, bem como seus súbitos. Formou-se mesmo uma Igreja japonesa nativa, com um largo clero japonês, e com colégios, seminários, hospitais, etc. Tanto que este período foi chamado por certos historiadores o século cristão japonês.

Contudo em 1597 Hideyoshi teve necessidade de evidenciar o seu poder e autoritarismo e mandou crucificar 26 missionários cristãos entre europeus e japoneses no porto de Nagasaki. Se efectivamente esse episódio não prejudicou as boas relações que os jesuítas tinham com a corte nipónica, foi um primeiro (e bem intimidador) sinal que as coisas poderiam mudar bruscamente. Apesar de um período algo conturbado no Japão que se sucedeu após a morte de Hideyoshi os governantes que lhe sucederam mantiverem boas relações com os jesuítas e os cristãos em geral.

Já o shogun Tokugawa Ieyasu, não via com bons olhos a crescente influência dos jesuítas e dos cristãos no Japão e já no final da sua governação entendeu, por influência dos ingleses e holandeses expulsar em 1614 todos os jesuítas e padres do Japão. Seguiu-se um período de várias décadas de dura e cruel perseguição aos padres e cristãos (que entretanto já estavam disseminados por várias regiões do Japão), com o propósito de eliminar por completo o cristianismo do Japão. Foram mortos milhares de cristãos (incluindo crianças, mulheres e idosos) queimados na fogueira, por enforcamento, por crucificação, por horrendas torturas (para que os cristãos se tornassem apóstatas). Contudo apesar de todas estas práticas e da crescente tortura até 1632 nenhum missionário se tinha tornado apóstata. Isto foi quebrado nesse ano quando o Superior português Cristóvão Ferreira fez o sinal de apostasia. Ferreira era um dos mais importantes jesuítas no Japão (vivia aí já há 33 anos) e sua decisão foi muito marcante doravante no seio da comunidade cristã no Japão. O segundo grande revés ocorreu na célebre Rebelião de Shimbara (próximo de Nagasaki) onde ao longo de 4 meses foram mortos cerca de meia centena de milhar de campesinos cristãos, incluindo alguns padres. A partir dessa data o Japão fechou as 'suas portas' ao mundo e o cristianismo foi ainda mais perseguido.

Apesar de todos estes acontecimentos o cristianismo continuou a ter ao longo dos séculos seguintes milhares de professos (mas de modo secreto) no Japão, sobretudo na ilha de Kyushu, até que em 1865 quando o Japão voltou a abrir-se ao mundo os cristãos puderam de novo realizar suas práticas religiosas de modo livre e público. Inclusive em 1895 foi inaugurada a catedral de Santa Maria em Nagasaki, a maior catedral católica em todo o Oriente (destruída depois em 1945 pela bomba atómica).



O "Silêncio" de Shusaku Endo
Este livro, escrito enquanto Endo viveu em Nagasaki, é uma história baseada em factos reais e retrata a entrada secreta e posterior estadia de dois missionários jesuítas portugueses, Sebastião Rodrigues e Francisco Garrpe, e mais 8 religiosos europeus, em 1643, no Japão, numa época de grande perseguição aos cristãos. Capturados num curto espaço de tempo, todos eles apostataram depois de terem passado longas e terríveis torturas. Sebastião Rodrigues e Francisco Garrpe tinham sido alunos de Cristóvão Ferreira e não acreditando que este tivesse feito apostasia decidiram ir ao Japão descobrir a verdade dos factos.
Não me vou estender mais pois os resto podem ler no livro.

William Johnson, o primeiro tradutor da obras para Língua Inglesa tem uma passagem interessante no prefácio do livro: «O Japão [...] absorve toda a sorte de ideologias, transformando-as em si mesmo, e distorcendo-as no processo de fazê-lo. É a teia de aranha que destrói a borboleta, deixando-lhe apenas o esqueleto feio.» Já Endo refere que «os japoneses devem absorver o cristianismo sem o suporte de uma tradição, história, legado ou sensibilidade cristã», devido às grandes diferenças culturais e civilizacionais.


O novo filme de Martin Scorsese
Martin Scorsese escreveu o primeiro esboço do argumento adaptativo de o "Silêncio" de Shusaku Endo, há cerca de 10 anos, em parceria com o argumentista Jay Cocks. Foi ao longo dos anos esperando avançar com este projecto, conseguindo finalmente reunir as condições necessárias. As filmagens vão ser efectuadas este Verão em Vancouver, no Canadá.
É a segunda vez que um filme Scorsese aborda directamente a temática do Cristianismo/Catolicismo, depois da "Última Tentação de Cristo" que gerou bastante polémica na altura. Este novo filme muito dificilmente não suscitará polémica no Japão.
Os japoneses são comummente retratados nos filmes americanos e europeus sobretudo em histórias pouco felizes relativas a episódios da Segunda Guerra Mundial, mas até aqui nunca um grande realizador (não japonês) tinha abordado outros períodos da história de forte controvérsia do Japão (se não incluirmos o " O último Imperador").
Uma coisa é certa, o Japão não ficará em silêncio com este novo filme de Scorcese.

Comments:
muitissimo obrigado por indicar meu site...agradeço de coração!!1

marcos aguena
portal do japa
 
Saúdo este blogue dedicado ao Grande Japão. Também tenho um em www.japonmonamour.blogspot.com. Creio que gostará de ver.
 
Tenho "O Samurai" do Shisaku Endo e é excelente. Como n podia deixar de ser fala do cristianismo no Japão no Séc. XVI.
O melhor do livro foi depois pesquisar a verdadeira historia que é muito parecida com o livro.
Cumprimentos
Pedro Santos
Japão Tradicional.Com
 
Muitos parabéns pelo blog, que descobrimos quando procurávamos o livro “Silêncio”, de Shusaku Endo. Há cerca de um ano, vimos no suplemento do Expresso uma pequena nota dando conta de que Martin Scorsese se preparava para rodar um filme sobre este livro, tendo desde logo despertado a nossa curiosidade. Curiosidade que se deve ao facto de João Rodrigues, uma das personagens do livro “Silêncio”, ser natural de Sernancelhe, e o seu percurso de vida no Oriente se enquadrar perfeitamente na história descrita por Shusaku Endo. Dizer, ainda a título de curiosidade, que o filme Shogun, transmitido pela RTP em 1983, fazia também alusão a um padre jesuíta no Japão, cuja vivência era em tudo semelhante à de João Rodrigues.
Conhecido no Japão como “Tçuzzu”, que significa intérprete, Rodrigues terá nascido em Sernancelhe em 1561. Ainda que nada se saiba da sua família e sobre a sua juventude, sabe-se contudo que era um padre jesuíta que partiu para o Japão, esteve em Macau e na China, tendo desempenhado um importante papel na cristianização dos orientais. Considerado um antropólogo, um sociólogo, um linguista, um gramático, um dicionarista e um historiador, Rodrigues é o autor da primeira gramática de língua japonesa, apresentada em Nagasaki, em 1604, com o nome “Arte da Lingoa do Japan”.
O escritor Michael Cooper, no livro “Rodrigues, o Intérprete”, de 1994, editado pela Quetzal, com o apoio da Comissão Nacional dos Descobrimentos Portugueses e da Fundação Calouste Gulbenkian, fala deste sernancelhense cujo percurso de vida é ainda motivo de estudo e admiração no Japão, principalmente entre a comunidade académica.
Aguardamos, portanto, a chegada do filme de Martin Scorsese. Estamos também a tentar encontrar um exemplar do livro “Silêncio”, tarefa que não se tem revelado fácil!
Cumprimentos,
Câmara Municipal de Sernancelhe
 
O Martin Scorcese adiou a rodagem do filme “Silêncio” no verão de 2007 pois surgiram projectos mais prementes, bem como alguns problemas de funding. Contudo no site do IMDB ( http://www.imdb.com/name/nm0000217/ ) refere que a rodagem do filme está anunciada para 2010. Vamos ver se finalmente Scorcese concretiza este projecto tantas vezes adiado!

Existem várias personalidades portuguesas ligadas ao Oriente a que dedico marcada atenção há vários anos, como são os casos de Wenceslau de Moraes, Bento de Goes (Bento de Góis), João Rodrigues, ou Fernão Mendes Pinto. Como tal, um dos livros que li sobre João Rodrigues foi o do Michael Cooper, um mais-que-excelente livro. Deu a conhecer Rodrigues ao mundo de forma ímpar!
Escrevi o artigo de Bento de Goes na Wikipédia e espero arranjar um tempinho para escrever o de João Rodrigues, que não o Amato Lusitano albicastense,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bento_de_G%C3%B3is

Por acaso conheço diverso património evocativo no Japão de João Rodrigues. É muito mais do é comummente percepcionado. Vou ver se nos próximos dias faço uma lista e deixo aqui. Vai ser algo grandinha…
No Almarjão – Livraria Histórica e Ultramarina
( http://www.livrariaultramarina.com/pt/livraria.htm ), em Lisboa, um dos maiores alfarrabista de livros dos Descobrimento do mundo, devem encontrar alguns livros relacionados com João Rodrigues.
O fundadot, o sr. Almarjão, infelizmente faleceu há uns dias.

Há uns tempos comecei a fazer um site/blogue sobre a presença portuguesa no Japão no século Namban (1543-1639), mas ainda está muito incipiente
http://viagemaojapao2009.blogspot.com/


Os Melhores Cumprimentos,
Fernando_vilarinho

http://bibliotecas-.blogspot.com/
http://bibliotecas.wetpaint.com/?t=anon
 
Fiz meu projeto final de curso em lingua e literatura japonesa usando como base 'O Silencio', separando o que relamante era tratado como historia e o q era licença poetica do autor.
Endo e' simplemente brilhante, a sua obra fascina, ela vai bem dentro de no's e nos convida a fazer questionamentos que muitas vezes são incomodos, depois de o ler-mos nos tornamos mais humanos por nos darmos contas de tanta dureza que nos cerca.
Ele e' um caso atipico de escritor, em um pais não cristão, como escritor cristão fez uma obra que teve records de venda, vale muito a pena ser lido, um outro livro que trata da questão de que e' ser humano e' 'Mar e veneno'.

quem quiser dividir conhecimentos sobre esse grande escritor entre em contato:

buon_vivant@hotmail.com
 
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